27 fevereiro 2009

A Dança como expressão do Espírito - Eneida Nalini




"E que seja perdido o dia que não se dançou uma única vez..."
Nietzsche

Esse texto tem por finalidade demonstrar de maneira sucinta como a dança tem representado, através dos tempos, sua importância dentro do contexto espiritual, seja por meio de ritos em alguma religião ou crença, seja pelo simples ato de celebrar.
No espiritismo, a dança vem ganhando terreno como disciplinadora de ações e sentimentos por ser uma das expressões artísticas que pode trabalhar o corpo visando o bem estar do ser em sua essência.
A dança, além de sua importância por si só, pode auxiliar as outras artes, tornando o artista mais completo, pois desenvolve a consciência corporal, nos fornecendo dimensões maiores para expressar nossos sentimentos.
A pesquisa deste trabalho se fez mediante sites da internet e livros relacionados à dança e ao espiritismo. Alguns filmes também serviram de suporte. O trabalho da mostra de dança espírita da cidade de Araras que está na sua 7ª edição, nesse ano de 2008[1] também vem servindo como material de pesquisa de campo para que possamos teorizar e investigar a respeito da dança com temática espírita.
Sendo “a música mediadora entre a vida material e a vida espiritual” (ARMIN, in Oliveira, 1995, p.52) podendo ser usada para a dança acontecer, então, a dança também fica entre o material e o espiritual. Quando se abstém da música, ficam então os sons refletidos através das imagens que a dança pode proporcionar.
Quando o homem começou a dançar?
Acredita-se que o homem pré-histórico tenha desenhado momentos de dança nas paredes das cavernas. Movimentos que se unificados nos lembram uma coreografia fotografada. A arqueologia não deixa de indicar a existência da dança como parte integrante das cerimônias religiosas. Alguns teóricos afirmam que a dança nasceu como uma necessidade de expressão.
Os primeiros registros de atividades dançantes datam do Paleolítico Superior, quando os homens viviam em pequenas hordas isoladas, cultivando um primitivo individualismo, apenas ocupados em coletar alimentos. Não há indicação de que cultuassem alguma divindade ou acreditassem na vida após a morte, nem que possuíssem um pensamento lógico. Ao contrário, dominados pelo pensamento mágico, pareciam acreditar ser possível, através de representação pictórica, alcançar determinados objetivos: abater um animal, por exemplo. Nesse sentido é que se poderia interpretar as pinturas e desenhos encontrados nas paredes e tetos (...) a representação de figuras humanas disfarçadas de animais, numa atitude de executantes de danças mágicas destinadas a alcançar aquele intento. (MENDES, 1987, p.9).

O homem demonstra, através dos tempos, como a dança vem auxiliando seu autoconhecimento e suas variadas necessidades de se expressar. A dança muda de caráter e vestimenta através de diferentes momentos históricos, atendendo de uma maneira, talvez sutil, aquelas necessidades. As técnicas aparecem e, algum tempo depois, a negação delas. Os movimentos contemporâneos e os diferentes estilos nos dão possibilidade de um estudo abrangente sobre as diferenças apresentadas e refletidas em cada momento histórico. No entanto, não cabe a nós fazê-lo neste momento.

Papel social da dança
A dança tem sua relevância dentro de diferentes grupos sociais como, por exemplo, a escola, a comunidade e os grupos artísticos independentes.
Nos grupos espíritas, a dança vem sendo desenvolvida como parte do trabalho espiritual no qual o grupo se insere. Muitas vezes, em várias discussões acerca do trabalho espírita, os coordenadores de trabalho ainda não sabem como definir esta arte que começa a se destacar em nosso meio. Alguns grupos trabalham a temática, observando e cuidando das letras das músicas coreografadas, outros grupos tentam passar uma mensagem que tenha como base os princípios da doutrina.

Objetivos da dança na vida do espírito
A dança desenvolve ricos mecanismos de evolução do pensamento e do sentimento, pois disciplina atos e ajuda na construção de novos pensamentos e desejos. Ela pode promover no espírito um estado de alegria, afastando depressões e tristezas, quando bem direcionada. Renova seus quadros de memória de maneira prazerosa e disciplinada. Eleva o pensamento do espírito, sendo às vezes até caracterizada como uma atividade mediúnica.
A dança:
• modifica a vontade;
• reflete uma maneira de sentir;
• disciplina os sentimentos;
• ajuda a identificar as necessidades espirituais do ser e seus conflitos;
• é um processo educativo;
• processa identificação e limpeza nos quadros da memória e
• explora o pensamento e as emoções.
Acreditamos que a dança, como disciplinadora de sentimentos e conduta, deveria controlar a vaidade, dar consciência do espaço (você no espaço X espaço trabalhado), proporcionar cuidados com o corpo e a mente, com os processos mentais e com as ações como reprodução dos pensamentos.
O trabalho com crianças pode abrir uma oportunidade de vivência e convivência, disciplinando atos e abrangendo sua consciência quanto às possibilidades do corpo, sistematizando condutas.
Com adolescentes a dança disciplina e organiza ATOS, conscientiza a mente, abrange possibilidades do uso do corpo, disciplinando a sexualidade e a libido, ajuda a tratar o corpo como um instrumento do qual se faz uso, pois na doutrina sabemos que é o envoltório do qual nos utilizamos para o cumprimento das nossas tarefas (provas e expiações) no plano material.
Nos adultos percebemos uma reenergização, uma nova educação de postura e respiração e abertura de novas possibilidades de trabalho com o corpo.
O trabalho social cria oportunidades de trabalho nas áreas de teatro, expressão, coreografias e criações artísticas variadas, há valorização e entendimento do corpo, facilitando relações que estabeleçam o respeito como meta, notando-se uma preocupação maior com a saúde e também a multiplicação do trabalho.
A dança, através dos tempos, vem reforçando sua importância no contexto espiritual. Percebemos sempre a mensagem embutida nas danças com temática espírita: danças que permitem a reflexão de valores morais, éticos e espirituais.
Podemos concluir com este texto que a dança é, para alguns artistas espíritas, uma das expressões máximas do espírito, pois o artista se expõe por inteiro usando somente o corpo para sua execução.
A dança é uma aliada das artes, pois nos possibilita praticar nossa consciência corporal nos dando flexibilidade de ações. Ela é a expressão em si, pois seus movimentos podem relatar o que vai no íntimo do artista. Sendo bem trabalhada, com princípios e metas ordenadas dentro de objetivos que atendam à educação postural, moral e de consciência, a dança pode ser uma aliada no crescimento do ser humano, visto como integral, atendendo também às necessidades do espírito. Entende-se por dança, nesta dissertação, os movimentos corporais que podem ou não atender a técnicas. Movimentos que podem representar diferentes estilos e maneiras de se expressar, tendo como ferramenta o próprio corpo, trabalhado para a educação do espírito.

Sabemos que o Espiritismo contém um corpo de idéias todas elas confluentes para a edificação do ser humano em face da vida, no aqui e no agora existencial. Apesar de não ser ‘moralista’ como muitos de seus adeptos o apresentam, é moralizante em todos os sentidos, porque parte do pressuposto de que só poderemos cumprir nosso destino evolutivo orientando as ações por uma ética fundamentada no amor fraterno, aquele ensinado no Evangelho de Jesus, sejamos claro. (Tourinho, 1991: 15)

Observando a questão 127[2] do livro O Consolador, notamos que há uma questão de reforma íntima nos preceitos da pergunta sobre atividade artística. Cabe então, ao coreógrafo, trabalhar simultaneamente o que deve ser esta expressão através da dança. Além disso, a dança desenvolve a confiança, o respeito e a responsabilidade do trabalho em grupo, facilitando, assim, nossa reforma íntima.
Como escreveu Béjart (in Garaudy, 1973, p. 8)
...o homem está só diante do Incompreensível: angústia, medo, atração, mistério. As palavras de nada servem (...) o que é preciso é entrar em contacto. O que o homem busca para além da compreensão, é a comunicação. A dança nasce dessa necessidade de dizer o indizível, de conhecer o desconhecido, de estar em relação com o outro (...), e é claro, na relação máxima consigo mesmo.

Eneida Gomes Nalini de Oliveira
(Franca – SP)
eneidanalini@yahoo.com


Eneida Gomes Nalini de Oliveira – Professora de Literatura e Língua Inglesa (metodologia e prática) graduada pela Universidade de Franca (Unifran). Especialista em Língua Inglesa e Literaturas. Mestranda na área de lingüística. Participante ativa do Instituto Arte & Vida, da cidade de Franca-SP, desde a sua fundação como atriz, diretora, monitora e coordenadora de trabalhos desenvolvidos no Instituto. Formada em profissionalizante de ballet clássico pelo Instituto Musical Ars Nova, da cidade de Franca. Estudiosa na área de dança e suas diversas modalidades.










REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

· OLIVEIRA, Weimar Muniz. Renascimento da arte, à luz da terceira revelação. Goiânia: Feego, 1995.
· EMMANUEL (Espírito) e XAVIER, Francisco Cândido (Médium). O consolador. 8ª ed. Rio de Janeiro: FEB, 1940.
· GARAUDY, Roger. Dançar a vida. Danser sa vie. Antônio Guimarães Filho e Glória Mariani. 4ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1973.
· MENDES, Miriam Garcia, A dança. 2ª ed. São Paulo: Ática, 1987.
· TOURINHO, Nazareno. A dramaturgia Espírita. Rio de Janeiro: FEB, 1991.


[1] A Mostra de Dança Espírita de Araras acontece todos os anos na cidade de Araras (SP); oficinas, estudos e mostra com temática espírita são enfatizados durante o encontro. Maiores informações: glussari@hotmail.com
[2] 127 – O preceito “corpo são, mentalidade sadia” poderá ser observado tão-somente pelo hábito dos esportes e labores atléticos?
No que se refere ao “corpo são”, o atletismo tem papel importante e seria de ação das mais edificantes no problema da saúde física, se o homem na sua vaidade e egoísmo não houvesse viciado, também, a fonte da ginástica e do esporte, transformando-a em tablado de entronização da violência, do abastardamento moral da mocidade, iludida com a força bruta e enganada pelos imperativos da chamada eugenia (...)
“Bastará essa observação para compreendermos que a “mentalidade sadia” somente constituirá uma realidade quando houver um perfeito equilíbrio entre os movimentos do mundo e as conquistas interiores da alma.” (1940: 81)

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